A Lei nº 9.637/1998 e as Parcerias com Organizações Sociais no Âmbito Municipal: Aspectos Legais e Jurisprudenciais

Introdução

A administração pública contemporânea busca cada vez mais soluções que conciliem eficiência, legalidade e controle social. Dentro desse contexto, destaca-se o modelo das Organizações Sociais (OS), introduzido pela Lei Federal nº 9.637/1998, como um instrumento de gestão compartilhada de serviços públicos não exclusivos do Estado.

Embora originariamente voltada à esfera federal, essa legislação tem sido amplamente adotada por Estados e Municípios, que editaram normas próprias para qualificação e contratação de OS. O presente artigo analisa, de forma original e fundamentada, os aspectos legais e jurisprudenciais que envolvem essa parceria no âmbito municipal, destacando boas práticas, exigências jurídicas e riscos associados.


  1. A Natureza das Organizações Sociais

As Organizações Sociais são entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que, após processo de qualificação pelo Poder Público, podem celebrar contratos de gestão para atuar em áreas como saúde, cultura e meio ambiente. A lei estabelece critérios mínimos para essa qualificação, com base na idoneidade, objetivos institucionais compatíveis e capacidade operacional.


  1. A Expansão do Modelo aos Municípios

Embora a Lei nº 9.637/1998 seja federal, nada impede sua adoção subsidiária pelos entes subnacionais, respeitado o princípio da autonomia municipal. Diversos municípios já regulamentaram o modelo por leis locais ou decretos, adaptando os requisitos de qualificação, seleção e controle.

Exemplo: Município de São Paulo (Lei Municipal nº 14.132/2006) e Belo Horizonte (Lei nº 9.527/2008).

Contudo, mesmo onde não há lei local, o município pode firmar parcerias com OS desde que respeite os princípios constitucionais da administração pública (art. 37 da CF).


  1. Chamamento Público: Exigência Inafastável

A despeito da omissão da Lei nº 9.637/1998 quanto ao chamamento público, a jurisprudência consolidada dos Tribunais de Contas e do Supremo Tribunal Federal exige procedimento prévio de seleção.

TCU – Acórdão nº 1.777/2011 – Plenário:
“[…] o chamamento público é imprescindível para garantir a moralidade, impessoalidade e eficiência na escolha da organização social parceira.”

STF – ADI 1923/DF – Julg. 2020:
A Corte entendeu que o modelo das OSs é constitucional, mas depende de mecanismos de controle e transparência para ser válido.

Portanto, nenhum município pode firmar contrato de gestão com OS sem chamamento público, sob pena de nulidade e responsabilização do gestor.


  1. Controle, Metas e Prestação de Contas

Para evitar abusos, é necessário que os contratos de gestão:

Definam metas mensuráveis e prazos objetivos;

Prevejam comissões de avaliação permanentes;

Estabeleçam obrigações de transparência;

Exijam prestação de contas regulares;

Estejam submetidos ao controle interno e ao Tribunal de Contas.

Jurisprudência relevante:
TJ-SP – Apelação 1003370-91.2020.8.26.0562:
Tribunal reconheceu a ilegalidade de contrato firmado sem critérios objetivos e fiscalização adequada, declarando a nulidade da avença.


  1. Riscos e Recomendações

A adoção do modelo das OSs pode gerar ganhos de eficiência, mas apresenta riscos, como:

Falta de transparência na escolha da OS;

Uso do modelo como terceirização irregular de mão de obra;

Desvio de finalidade da entidade contratada.

Boas práticas recomendadas:

Criar lei municipal específica regulamentando as OSs;

Adotar modelo semelhante ao MROSC (Lei 13.019/2014) no tocante ao chamamento e fiscalização;

Garantir o acesso da sociedade aos relatórios de avaliação.


Conclusão

As parcerias entre municípios e Organizações Sociais, quando baseadas em critérios técnicos e legais, representam uma ferramenta e útil para melhorar a prestação de serviços públicos. Contudo, a ausência de regulamentação local, de chamamento público e de mecanismos efetivos de controle pode invalidar todo o processo, expondo o gestor a sanções legais.

Cabe aos municípios aprimorar suas normas e práticas, garantindo que o modelo seja usado de forma ética, eficiente e conforme os princípios constitucionais da administração pública.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: abr. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: abr. 2025.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão nº 1.777/2011 – Plenário. Relator: Min. Aroldo Cedraz. Brasília: TCU, 2011.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão nº 2.471/2013 – Plenário. Relator: Min. Augusto Nardes. Brasília: TCU, 2013.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923/DF. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em 16 set. 2020.

SÃO PAULO (Município). Lei Municipal nº 14.132, de 24 de janeiro de 2006. Dispõe sobre a qualificação e parceria com Organizações Sociais. São Paulo: Câmara Municipal, 2006.

SILVA, José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 37. ed. São Paulo: Atlas, 2024.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Discricionariedade, licitação e contratos de gestão. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2023.

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